Cansado Velho

Certa madrugada, despertei com o coração apertado e a respiração ofegante. Um nó na garganta impedia o ar de circular livremente, e, sem perceber, deixei que as lágrimas escorressem silenciosamente sobre meu já cansado travesseiro. Gostaria de acreditar que aquela sensação era apenas um momento isolado, fruto de algum pesadelo ou cansaço passageiro. Mas, infelizmente, essa angústia tem se tornado frequente. As noites parecem cada vez mais curtas diante dos longos dias de tormenta, repletos de conflitos, pressões e problemas a resolver.

Ao meu lado, observo minha filha dormindo com a serenidade dos anjos. Seu sono é leve, doce e despreocupado — como o de toda criança. Um sono que, em algum momento distante da minha vida, eu também conheci. Ainda que a memória falhe, há uma saudade forte daquele tempo em que dormir era apenas descansar, e não escapar.

Dentro de mim, um turbilhão de pensamentos cresce em intensidade. Preocupações com dívidas, conflitos pessoais e familiares, o aluguel atrasado, o risco iminente do desemprego. E, como se tudo isso não bastasse, a preocupação com a saúde que começa a falhar. O coração acelera. Levanto-me lentamente e sento-me à beira da cama, tentando acalmar a mente e o corpo sem fazer barulho, pois não quero perturbar o sono tranquilo das minhas filhas. Elas não merecem perder uma noite de descanso por causa deste velho exausto.

Refletindo, percebo como minha vida foi marcada por renúncias e ausência de ambições. Naquela madrugada, em especial, tive a sensação de que poderia ter feito escolhas diferentes. Sinto que deveria ter amado mais, sido mais gentil, cuidado melhor de mim e das pessoas ao meu redor. Sinto que desperdicei oportunidades preciosas. As noites mal dormidas que hoje me torturam parecem ser o preço das despreocupações de outrora. Daria tudo para reviver meus dias de juventude com a maturidade que tenho hoje — para ser mais responsável, mais dedicado, agarrar com firmeza cada chance de crescimento que a vida me ofereceu.

Hoje, compreendo o valor que teria tido uma formação acadêmica, a busca pelo conhecimento, a construção de um futuro mais seguro. Compreendo, também, que prosperidade pode e deve rimar com humildade. Essa reflexão, no entanto, não nasce de frustrações profissionais ou sociais. Meu maior medo é não ser capaz de me orgulhar daquilo que vejo no espelho. Temo que, ao final de tudo, o maior fracasso seja não ter sido fiel à minha essência.

Enquanto elas dormem, embaladas por sonhos encantados, percebo que, em breve, este velho cansado talvez já não esteja mais por aqui. E me pergunto: que legado deixarei? Que lembranças restarão quando começarem a entender a vida? Tenho sofrido em silêncio, tanto e por tanto tempo, que minha alma parece adoecida, como se morresse aos poucos sem sequer perceber.

Levanto-me, caminho até a porta do quarto e, na escuridão, ajoelho-me. Tento conter o choro, mas as lágrimas teimam em cair. Com o coração dilacerado, entrego-me a uma angústia profunda. Naquela escuridão, por instantes, meus olhos desejam se fechar — não para dormir, mas talvez para se despedir da vida. O frio que toma meu corpo parece ser a única resposta para tanta dor.

Mas, de forma inesperada, sinto uma pequena mão tocar a minha. Doce, macia e cheia de amor. A voz suave da minha filha me chama: “Papai, levante!”. Mesmo na penumbra, os olhos dela brilham com uma luz que ilumina o quarto inteiro. “Por mim, papai. Levante!”. Nesse instante, todo o frio desaparece, substituído pelo calor imenso do amor que só uma filha pode oferecer. Disfarçadamente, enxugo minhas lágrimas ásperas e me levanto. Apesar da escuridão, sei que minha pequena viu o sorriso tímido que escapou dos meus lábios.

Volto a deitar-me naquele espaço apertado que todas as noites me é reservado. Sinto o corpo frágil da minha filha se aconchegar ao meu, e, lentamente, ela volta a adormecer. Como num milagre, meus olhos também começam a se fechar — desta vez, em paz. Pela primeira vez em muito tempo, adormeço serenamente.

Foi ali, naquele instante simples e mágico, que compreendi, ainda que por um breve momento, que a vida ainda tinha algo a me ensinar. Talvez aquela tenha sido a última lição. Uma lição de amor, de esperança, de resistência. Uma lição dedicada a um velho cansado… ainda capaz de aprender.

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