Que pena! Tudo mudou

Os peixes pequenos e ingênuos
ficam em desalento;
a isca não veem,
pois, no deserto escuro da poluição,
eles estão a viver.

O vento sopra, mas o calor retorna.
Vivo na ilha de calor;
nessa ilha sinto dor.

A imaginação faz lembrar
as belas rosas desabrochando,
o pássaro a cantar,
o beija-flor levando e trazendo o amor.

O carvalho, a seringueira, a castanheira…
hoje são só madeira,
sem folha, sem flor.
O vento sopra e ninguém nota.
Que pena! Tudo mudou.

A árvore que dava sombra,
de cujas flores nasciam frutos
que todos comiam,
hoje só está no imaginário,
na ingenuidade do sorriso de um menino.

O olhar do destruidor
ao assistir da plateia…
vive-se num palco de teatro;
ainda receberá bom trato?

Emergência todos clamam,
choram e lágrimas emanam;
mas quem sofre é ela:
a natureza que se mostra
como a Bela e a Fera.

Ninguém imaginou?
Que pena! Tudo mudou.

O tempo faz lembrar-se da primavera,
das noites de luar.
A lamentação causa intolerância:
o homem perde,
quem vence é a ganância.

Antítese real?
Homem racional
agindo feito animal,
vivendo numa oca de metal.

Oh, Deus!
A humanidade se perdeu.
Eu não contava, porém imaginava.

Paisagens de concreto, mortas.
Cadê as nossas?
O socorro se escuta
e ninguém ajuda.

A Mãe protetora, com tristezas,
não perdoa.
No céu, nuvem de escuridão;
na terra, o vapor do terror.

Aquecimento global?
Quem mentiu assim?
Vivemos num inferno sem fim!

Rio Branco, Rio Preto…
já não importa mais o termo.
O importante não é feito;
sim, tudo é desfeito.

É difícil acreditar;
a saudade faz lembrar
a época de criança:
o almoçar, o jantar,
no pé de manga a se deliciar.

Manga doce e saborosa…
oh, manga rosa!
Hoje fui lá, sequer encontrei o luar.
Oh, que tristeza!
Não posso nem falar.
Nem posso criticar.

O passado faz lembrar
que, no tempo,
debaixo da árvore eu podia estudar.
Oh, que sensação!
Um enigma a desvendar.
Quem vive hoje só pode sonhar,
nunca realizar.

Que pena! Tudo mudou.

Avisto multidões sofrendo
e vivendo decepções.
Seringais não existem mais.

O índio se perdeu
no varadouro que o branco criou.
O destruidor está sempre a cantar
as cantigas de ninar:

“Ciranda, cirandinha,
vamos todos derrubar;
desmatar a florestinha
para o ouro se plantar!”

Parece absurdo,
mas é o mundo.
Que pena! Tudo mudou.

O jambo vermelhinho,
que caía lá na beira do rio,
doce, docinho…
mas o menino, hoje vivido,
não pode aventurar-se
lá no topo escalar.
Não porque não quer:
é porque não há.

A chuva não alivia,
o gelo derrete cada vez mais;
culpado eu não sou —
quem sabe o doutor que inventou…

Que pena, não posso falar:
crianças aqui há.
Fala-se em preservação,
mas vejo pouca ação.
Do bem, destruição muito contém.

Não quero mais falar:
todos levam a natureza para o seu lar.
O papel jogado fora,
o móvel que o cupim devora;
uma vida sem saída.

Oh, sempre escuto o pranto,
mas nem as grossas lágrimas
encantam o coração da razão.

O verde-amarelo ouro,
só preservado na bandeira.
E o tesouro?
A inspiração se perdeu;
restou a ficção.

Alguém se contenta,
pois o desmatamento
é audiência na televisão.

Seja no Acre,
seja no sertão,
olhos rasos de tanto sofrer
estampam na feição
a falta que faz a solidão.

Ir em frente,
só o índio presente.

O sol causticante que torra a pele…
será que estou no Nordeste?
Parece que a situação se inverte.

Sim, que pena! Tudo mudou.

A água cristalina que brilhava
quando o sol refletia…
mas agora é tão claro que não se vê.
E os mananciais já não existem mais.

Para tanto não?
Algo chama a atenção?
Sim.

Tudo mudou.
Que pena!
Tudo acabou.

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